Djamila Ribeiro

Milton Nascimento: Um Gigante Que o Grammy Nunca Poderá Apagar

Redação

16 de fevereiro de 2025

Na última semana, os brasileiros e os admiradores da cultura brasileira foram tomados por um misto de indignação e perplexidade ao saber que Milton Nascimento, um dos maiores ícones da música mundial, foi impedido de sentar-se no espaço reservado aos concorrentes do Grammy 2025. O artista de 82 anos, que concorria ao lado de Esperanza Spalding na categoria de Melhor Álbum de Jazz Vocal, não teve um assento garantido na área destinada aos indicados. A justificativa da organização do evento, de acordo com a assessoria de Milton, foi de que “ficariam nas mesas apenas os artistas que eles queriam no vídeo”.

O desrespeito torna-se ainda mais flagrante ao recordarmos que Milton Nascimento já foi laureado com o Grammy em 1998, na categoria de Melhor Álbum de Música Global, pelo disco Nascimento, lançado no ano anterior. O álbum traz composições marcantes como E Agora, Rapaz?, Rouxinol e Levantados do Chão, esta última com a participação de Chico Buarque.

A cerimônia de premiação deste ano, que deveria ser uma celebração do talento e do legado de nosso Bituca, tornou-se um símbolo da recorrente desvalorização de artistas não estadunidenses, especialmente aqueles vindos do Sul global. 

Djamila Ribeiro fez questão de levantar algumas questões sobre o episódio, tanto em sua coluna semanal na Folha de S. Paulo, quanto em seu perfil no Instagram. A filósofa brasileira apontou a forma desrespeitosa com que Milton Nascimento foi tratado, refletindo sobre as raízes da falta de reconhecimento internacional ao grande músico brasileiro. “Há momentos em que o silêncio não é apenas omissão, mas cumplicidade”, escreveu na Folha, ressaltando que a exclusão do artista “não foi apenas um desrespeito inominável a ele”, mas “um ataque à cultura, à história e à dignidade de um povo que o tem como um de seus maiores tesouros”.

Djamila também chamou atenção para a ausência de apoio da classe artística estadunidense, contrastando com a atitude de Esperanza Spalding, que expressou publicamente seu descontentamento com o ocorrido.

Segundo ela, tal comportamento evidencia a fragilidade dos laços de reconhecimento entre artistas negros dos Estados Unidos e do Brasil. Durante a cerimônia, em um gesto solitário, Esperanza Spalding segurou uma placa com o rosto de Milton e manifestou publicamente sua tristeza pela exclusão do colega.

Já em seu perfil no Instagram, Djamila fez um paralelo entre a reverência aos mais velhos no Candomblé e a maneira como Milton deveria ter sido recebido. “Em qualquer tradição afro-brasileira, quando um mais velho chega, ele é recebido com o maior respeito. Se o Grammy realmente compreendesse o valor da música que diz celebrar, teria aberto espaço para que Milton fosse tratado com a dignidade que merece”, afirmou.

Uma amizade de longa data

A relação entre Djamila Ribeiro e Milton Nascimento não é de hoje. Ela sempre demonstrou profunda admiração pelo artista, reconhecendo-o não apenas por seu brilhantismo musical, mas também por sua trajetória de resistência e luta. Em 2020, em uma publicação de Ano Novo, Djamila escreveu:

“Hoje escrevi uma mensagem para meu amigo Milton Nascimento, liguei pra ele no aniversário dele e hoje fiquei de ligar mais tarde. Amo o Milton como amo o mar. Um ano que se inicia com a benção dele promete prosperidade.”

A reverência ao artista reflete uma conexão de reconhecimento e afeto, pois ambos compartilham não apenas uma trajetória de luta contra o racismo, mas também um profundo respeito pelas raízes culturais brasileiras. Bituca sempre foi um cantor da resistência, um artista cuja voz ecoou durante a ditadura, embalando manifestações por liberdade e justiça social.

Como bem relembrou Djamila em sua coluna na Folha, foi Milton quem, diante da brutalidade da ditadura militar, compôs hinos de resistência como “Coração de Estudante”, canção que se tornou símbolo da luta pelas ‘Diretas Já’. Foi também ele quem, ao lado de Lô Borges e Beto Guedes, criou o Clube da Esquina, um movimento musical que rompeu fronteiras e inovou o cenário artístico mundial. Ele que, no último show de sua carreira, lotou o Mineirão, arrastando milhares de fãs de diferentes gerações para uma despedida apoteótica.

Portanto, como destacou Djamila: “É hora de acordarmos dessa necessidade colonial de tratar artistas estadunidenses como deuses e reconhecer os verdadeiros gigantes”. 

No próximo dia 20 de março, o Brasil terá a oportunidade de reverenciar seu gênio da música com a estreia do documentário Milton e o Clube da Esquina. Além disso, Milton será homenageado pela Portela, no Carnaval carioca. 

O que o Grammy tentou apagar, nós faremos eterno. Viva Bituca!

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